FALA, BEIRADÃO!
Traz o estilo de vida dos ribeirinhos, suas tradições, seus hábitos, sua relação com a natureza, sua vida sobre os rios, seus artefatos e seu modo de viver.
Os povos ribeirinhos são aqueles que residem nas proximidades dos rios, tendo a pesca artesanal como principal atividade de sobrevivência. Esses povos possuem uma integração profunda com a natureza, em especial com o ciclo dos rios. Os ribeirinhos aprendem a lidar com as variações do nível da água e levam em consideração esse ciclo de mudanças na hora de constituir suas rotinas de vida e trabalho.
No Decreto Presidencial nº 6.040/2007, o Governo Federal reconheceu pela primeira vez a existência formal de todas as chamadas populações tradicionais, dentre elas os povos Ribeirinhos. Eles possuem uma história que se origina na década de 1950, e segue resistindo até os dias de hoje, com suas tradições e costumes, que ultrapassam gerações, sendo considerados um patrimônio imaterial da humanidade. Segundo a Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), patrimônio imaterial são práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas – como os instrumentos, os objetos, os artefatos e os lugares culturais que lhes são associados - que as comunidades, os grupos e, em alguns casos, os indivíduos reconhecem como parte integrante de seu patrimônio cultural. Ou seja, celebrações, lugares, conhecimentos, tradições, tudo aquilo que compõe a vivência de uma comunidade tradicional pode ser classificada como um Patrimônio Imaterial. A cultura ribeirinha se desvenda nas práticas e nos afazeres do dia-a-dia: O ribeirinho tem um grande contato com a natureza, e seus hábitos do cotidiano refletem isso. Como, por exemplo, na confecção de remédios caseiros, feitos por meio de plantas encontradas na floresta, como o xarope de jatobá ou de andiroba. Essas práticas são passadas de gerações, de mãe para filha, parte intrínseca da vivência ribeirinha. Uma dessas práticas culturais, o modo de fazer cuias de ribeirinhos do Baixo Amazonas, recebeu o título de patrimônio imaterial brasileiro em 2015, pelo Conselho Consultivo do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Essa prática artesanal é realizada por comunidades ribeirinhas desde o século XX, e não se resume apenas à produção de cuias, mas é uma expressão cultural de longa continuidade histórica. Não é somente a confecção de uma ferramenta, pois as cuias produzidas pelas artesãs ribeirinhas são ornamentadas, tingidas com pigmentos naturais e decoradas com traços incisos. Esses traços, que ornamentam as cuias são únicos, como uma assinatura de cada artesã. Esse trabalho envolve a retomada de saberes ancestrais, o que colabora para a propagação desse conhecimento para as gerações futuras, assim mantendo-o vivo. É da natureza que surge a maneira pela qual os ribeirinhos se sustentam, e é o lar dessa comunidade. Logo, eles se aproveitam dos recursos, de forma a respeitar esse ambiente, utilizando apenas o necessário, e vendo a natureza como um lar, como uma casa na qual eles cuidam e possuem uma forte ligação, o que contribui para a conservação da natureza, sem exploração indevida dos recursos naturais. Autora: Tainara Cruz
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Em meio a tempos de pandemia o brasileiro sofre com mais uma adversidade, o reajuste no preço da gasolina. Com aumento do dólar nos barris de petróleo o preço chega acima de US$ 80 no mercado internacional. Apesar da inflação no preço do combustível impactar muito a população da cidade, quem também sofre muito é a população ribeirinha. Com um Amazonas de proporções continentais os ribeirinhos se encontram com poucas opções de locomoção pelos rios e entre os municípios, sendo a principal opção os meios de transporte fluviais. As rabetas são um dos veículos mais utilizados pelos ribeirinhos para atravessar os rios e realizar as tarefas do dia a dia. Até os preços das passagens para fazer as longas viagens pelos rios estão ficando cada vez mais altas. Com os últimos reajustes de 7,04% para a gasolina e de 9,15% para o diesel, com o preço atual da gasolina comum (litro) chegou a 6,56 e a gasolina aditivada (litro) a 6,70 (este preço pode variar). As comunidades ribeirinhas de “Ilha do Barroso” e “Comunidade do Italiano”, no município de Manaquiri , que fica a 165 quilômetros de Manaus, são apenas algumas das comunidades que passam dificuldades com esses reajustes. O aposentado Raimundo Chagas de 72 anos, do município de Manaquiri, que há dez anos faz esta viagem, relata um cenário de desolação na vida do caboclo humilde. "Aquele monte de gente pagando R$ 7,00, R$ 8,00 reais na gasolina para usar sua lancha, sua rabeta. Quem depende disso para sustentar a família está perdido. A gente, hoje em dia, tá com medo até de pescar para comer e, agora, esses aumentos", afirmou. As dificuldades de locomoção na Amazônia e o acesso aos municípios mais distantes ainda não são muito grandes em decorrência do descaso histórico quanto a adoção de políticas voltadas para a região, o que causa aumento ainda maior o preço do combustível utilizado pelas comunidades ribeirinhas. Se na cidade, onde existem outras alternativas, nesses lugares, na maioria das vezes a canoa e, o mais ágil, a rabeta, são a possibilidade de ir e vir.
Autor: Victor Zidane A educação presencial dos estudantes amazonenses foi interrompida devido à pandemia causada pelo coronavírus e retomar ao ensino presencial não é uma tarefa fácil, principalmente no interior do estado, já que os recursos de vários municípios são escassos. Porém, a normalidade está voltando aos poucos e, mesmo com dificuldades, diversas cidades já retornaram com o ensino presencial. Antônio José Menezes, 32, professor de matemática em sua comunidade localizada no município de Autazes, explica como as aulas retornaram e quais são os cuidados que as escolas estão tomando durante esse período pandêmico. “Aqui as aulas voltaram semipresenciais, o ensino fundamental vai terminar agora no dia 27 de outubro, ficando apenas o ensino médio. Mas tem outras escolinhas aqui próximas da comunidade em que moro que irão até novembro. Lá na cidade de Autazes está havendo aula de forma híbrida, com 50% dos alunos em um dia e 50% no outro.” “Estamos seguindo os protocolos de segurança, o uso de máscara e álcool em gel, além de mantermos o distanciamento, mas não com todos os adereços que as normas de saúde pedem. Creio que cerca de 70% do protocolo esteja sendo seguido. Na zona urbana as escolas estão mais preparadas.” A prefeitura de Autazes, por meio da Secretaria Municipal de Educação, preparou todas as escolas municipais para receber os alunos com segurança e acolhimento. Os preparativos de Careiro da Várzea
Já no município de Careiro da Várzea, os preparativos para o retorno das aulas presenciais estão a todo vapor. Por meio das redes sociais, a prefeitura decidiu fazer da volta dos alunos às escolas uma celebração à vida e ao futuro de todas as crianças da comunidade. Providenciando todo o aparato necessário para o conforto e a segurança dos alunos, a rede municipal recebeu carteiras, aparelhos de ar condicionado, lousas, entre outros equipamentos para o aprendizado dos estudantes. As aulas voltaram dia 13 de setembro. As escolas ainda estão de olho no Covid-19 e o vírus não deixou de ser uma preocupação, afinal, ainda estamos em uma pandemia e como preparo, kits de prevenção foram disponibilizados para garantir toda a segurança dos estudantes. Além disso, a prefeitura do município por meio da Secretaria Municipal de Saúde, organizou 10 mutirões simultâneos de vacina contra o coronavírus. O público alvo foram os alunos de 12 e 17 anos da rede estadual e municipal. Afinal, é importante voltar às aulas presencial durante a pandemia? O retorno pode ampliar o número de casos de Covid-19, ameaçando a saúde tanto dos alunos e dos professores, já que o Estado do Amazonas sofreu bastante durante o período pandêmico. Talvez o governo esperar um pouco mais e continuar no ensino remoto poderia ser mais seguro. Autor: João Vitor Sales Maior bacia hidrográfica do mundo, a Bacia Amazônia possui fenômenos naturais, entre eles a cheia. Este ano, a cheia dos rios Amazonas e Negro bateu recorde ao alcançar o nível de 30,02m no dia 20 de junho de 2021. Quando as ações do homem ultrapassam os limites das condições naturais e o espaço inundável não dispõe de ocupação adequada, as cheias dos rios passam a ser um problema social, econômico e ambiental, como ocorreu mais uma vez este ano. O rio Negro registrou a marca histórica de 30,02 metros, a maior desde 1902, ano que iniciou o monitoramento dos níveis das águas do Negro no Porto de Manaus. Na maior bacia hidrográfica existente do mundo, observa-se a ocorrência de cheias e vazantes mais intensas nas últimas três décadas e episódios extremos ocorrendo em intervalos menores. Nos últimos doze anos verificam-se as grandes cheias em sequência, agora com três eventos recordes (2009, 2012 e 2021), e sete cheias extremas (2012, 2013, 2014, 2015, 2017, 2019 e 2021), alcançando ou ultrapassando a cota de emergência nos últimos dez anos. Já com relação à vazante, houve apenas um recorde, em 2010, com a marca de 13,63 metros. Com base nos registros feitos no Porto de Manaus, no início do século 20, os eventos de cheias severas (maiores que 29 metros, o que representa a cota de emergência) aconteciam num intervalo de 20 anos. Já no início do século 21, esse intervalo diminuiu para quatro anos. Mas quais são as explicações para a rebeldia das águas do nosso rio Negro? Em entrevista ao Ateliê Amazônico, o superintendente do Serviço Geológico do Brasil (CPRM), Marcelo Batista Motta, apresenta informações e o porquê do fenômeno das cheias. Primeiramente, ele esclarece sobre o monitoramento do rio Negro: “A maior cheia do rio Negro foi atingida em 2021, quando este marcou a casa dos 30,02m acima do nível do mar e da cota de emergência estabelecida para a cidade de Manaus, que é de 29m. As cotas ultrapassadas, como as de 2009 e de 2012, que atingiram 29,77m e 29,97m, respectivamente, deixaram muitas pessoas preocupadas, com questionamentos ainda sem respostas, mas que a ciência pode ajudar a explicar. É possível que ocorra cheias mais severas que as registradas em 2009 e 2012? Depois de uma grande cheia, vem uma grande vazante? O monitoramento das águas do Rio Negro tem apenas 119 anos e iniciou com os registros do Porto de Manaus. O Serviço Geológico do Brasil vem realizando as medições desde 1989, ou seja, há 32 anos, por meio de réguas pluviométricas e estações telemétricas que emprega tecnologia de radar transmitida via satélite. Além disso, conta com apoio dos parceiros como o Sistema de Proteção da Amazônia (SIPAM) e das Defesas Civis Estadual e Municipal.” Marcelo Batista observa que os dez maiores eventos de cheia histórica no Porto de Manaus foram registrados nos seguintes anos, em ordem crescente: 1999, 2013, 1922, 1989, 2014, 1976, 2015, 1953, 2009, 2012, 2021. A respeito das causas das cheias do Rio Negro, ele ressalta o fenômeno La Niña: “Neste período ocorreu o fenômeno La Niña, que é o resfriamento das águas do pacífico e que afeta a circulação atmosférica de todo o planeta, levando intensa precipitação a uma região e fortes estiagens a outras. Como nossa região é quente e úmida, a natureza encontra as condições ideais para o aumento e a queda da pressão atmosférica, e impõe altas taxas de precipitação nas cabeceiras dos rios amazônidas. Outro fator que contribui para esse fenômeno é o degelo andino, que libera grandes volumes de água para as drenagens que compõem o maior sistema fluvial do planeta. De outra forma o aumento das águas da bacia do Rio Solimões e Amazonas, pelo fato de ser mais densas, acabam barrando as águas do Rio Negro em sua foz, em frente à cidade de Manaus. Qualquer leve aumento do nível do mar também pode influenciar, porém essa questão ainda é uma incógnita, pois precisa ser mais bem estudada. Outro fator, além do barramento do Rio Negro, é que este recebe a descarga das águas da Bacia do Rio Branco, que corta o estado de Roraima. O volume de água expressivo, ao somar-se com as águas negras, elevam o nível e causa os transtornos para a cidade, que em parte teve sua infraestrutura erguida em níveis que antes não eram considerados nas cotas de inundação, pois não havia registros.” “Logo, como se pode perceber, determinar os eventos de cheia não é uma simples tarefa, pois envolve variáveis inconstantes provenientes da natureza e que só podem ser previstos próximos a seus acontecimentos. Não há uma regra para isso e, logo, uma grande cheia não implica e uma grande vazante, mas pode acontecer” finaliza Marcelo Batista. Moradias submersas A cheia do Rio Negro causa transtornos, em particular na infraestrutura da cidade, afetando tanto a zona rural quanto os bairros localizados às margens do rio. O fenômeno das cheias no Amazonas se repete como uma tragédia anunciada. De acordo com o levantamento realizado pela Prefeitura de Manaus, na região urbana, os bairros atingidos pela cheia de 2021 foram: Tarumã; Mauazinho; São Jorge; Educandos; Raiz; Betânia; Presidente Vargas; Colônia Antônio Aleixo; Aparecida; Centro; Santo Antônio; Cachoeirinha; Glória; Compensa e Puraquequara.
Na região rural ribeirinha, a Defesa Civil monitorou as comunidades Nova Canaã do Aruau; São Francisco do Aruau; Lindo Amanhecer; São Sebastião do Cuieiras; São Francisco do Chita; Bela Vista do Jaraqui; Nova Jerusalém do Minpidiau; São Sebastião do Tarumã-Mirim; Agrovilla; Cueiras do Tarumã-Açu; Nova Esperança do Apuau; Santa Isabel do Apuau; Nova Aliança do Apuau; União e Progresso; São Francisco do Tabocal; São Raimundo e o assentamento Nazaré. Operação Enchente 2021 Algumas ações foram desenvolvidas para minimizar os impactos sofridos pela população por conta das cheias dos rios nesse ano: auxílio, crédito e anistia de dívidas; apoio ao setor primário; e instalação de abrigos e de estações de tratamento de água. A operação auxiliou, inicialmente, os 19 municípios das calhas dos rios Juruá, Purus e Madeira, onde vivem aproximadamente 130 mil pessoas. A respeito do auxílio, a Prefeitura de Manaus realizou para famílias da área urbana e da rural, o pagamento do auxílio moradia no valor de R$ 300 por três meses, a partir do início do mês de junho, e mais o auxílio enchente, que completará o recurso com mais R$ 200, durante dois meses. E as ações de crédito emergencial estão sendo liberadas ao setor primário, segundo o Instituto de Desenvolvimento Agropec do Estado do Amazonas (IDAM). Até o início de abril, foram registrados 2,6 mil nomes de proponentes ao crédito da Agência de Fomento do Amazonas (AFEAM). Mais de 42 toneladas de sementes de diferentes tipos de hortaliças, frutas e grãos já foram entregues. A ajuda humanitária englobou a doação de cestas básicas e kits para higiene, limpeza e dormitório. Segundo a programação da Defesa Civil, as entregas aconteceram em março e abril deste ano. Além disso, os municípios também receberam estruturas modulares para montagem de barracas. Autora: Erika Rodrigues Saiba como está ocorrendo a imunização da população ribeirinha e de comunidades indígenas localizadas na zona rural do estado que, no momento, registra 10.000 casos de Covid-19 só em indígenas. A campanha de vacinação contra o novo coronavírus iniciou em 19 de janeiro de 2021 para a população ribeirinha e para os habitantes da zona rural do estado do Amazonas. Por se encontrarem em localidades de pouco ou difícil acesso a informações instantâneas e, principalmente, pela carência de estrutura de saúde pública, além da facilidade de entrada do homem branco, os casos do vírus fora da zona urbana amazonense se tornaram um problema grave no estado. De acordo com o mapa disponível na página da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), o estado do Amazonas soma, até o dia 14/06/21, 10.276 casos confirmados de Covid-19 em indígenas, sendo 233 casos no Alto Rio Negro; 2.293 no Alto Rio Solimões, 1.245 na região manauara, 572 no Médio Rio Purus, 772 no Médio Rio Solimões e afluentes; 596 na região dos Parintins; 827 no Vale do Javari e 1.640 nas terras Yanomami. População ribeirinha e zona rural como prioridades No dia 12 de abril de 2021, a SESAI publicou um ofício a respeito das orientações referentes à vacinação dos povos e comunidades tradicionais ribeirinhas e quilombolas. Sobre os povos e comunidades tradicionais, é citado o Decreto nº 6040 de 07 de fevereiro de 2007, o qual categoriza essa população como “grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas geradas e transmitidas pela tradição”, definindo-os assim como um grupo prioritário para vacinação. Após o Brasil receber as primeiras doses de vacina, foi decidido que 907.200 dessas unidades seriam enviadas ao Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI), equivalendo a 30% das doses destinadas ao país. O dia a dia do profissional de saúde Cristiane Capucho, técnica em Enfermagem e Clarice Almeida, técnica de Laboratório, ambas funcionárias públicas que viajam na UBS Fluvial do município de Maués , no interior do Amazonas, rumo a comunidades ribeirinhas, contam suas experiências e falam sobre as dificuldades e alegrias de exercer a função de profissional de saúde em meio a um momento inesperado. “Ser um profissional de saúde durante a pandemia é se desdobrar. A pandemia veio de uma forma que ninguém esperava, então nós tivemos que nos reinventar, essa é a palavra”, inicia Cristiane. “Um dos maiores desafios é o medo que as pessoas têm que os profissionais cheguem até elas por causa do coronavírus, uma doença que veio rápida, alarmando de uma forma trágica e levando vidas. Então o que a população pensa, né? Qualquer pessoa fora dali pode ser um transmissor desse vírus. Em 2020, quando nós fomos pessoalmente até eles para levar as orientações, tinha ribeirinho que nem sabia o que era o corona, nem sabia o que estava acontecendo no município. O primeiro caso da cidade foi na zona urbana, aí quando tiveram casos de indígenas que chegaram a óbito, tivemos que criar equipes para adentrar nas regiões ribeirinhas para que a gente levasse informações até eles da importância da prevenção. Nem se falava ainda da vacina”, destaca a Técnica em Enfermagem que, além de fazer parte da imunização desses povos, também colabora com a realização de ações solidárias em que levam comidas, dentre outros produtos para essas populações que ficaram bem mais isoladas com o surgimento do vírus. “Para nós foi um desafio muito grande. Muitos de nós adoeceram, eu inclusive me acidentei e tive uma fratura. De primeira, os povos ficaram assustados. Aos poucos eles até aceitaram muito mais do que as pessoas da área urbana. Com o decorrer do tempo, nossa ida até eles se tornou bem respectiva. Foi gratificante”, continua a técnica em Enfermagem.
As profissionais destacam que, no município de Maués, 100% da zona rural já foi alcançada com os imunizantes, onde está concentrada 45% da população. Já no Amazonas, ao todo, foram distribuídas 2.019.273 doses de vacina, sendo 101.567 referentes à população indígena, dividida entre 87.424 (86,9%), que receberam apenas a primeira dose e 62.408 (62,0%), a parcela que já recebeu as duas doses. Dos povos tradicionais, já foram vacinadas 243.175 pessoas, sendo 38,6% apenas com a primeira dose e 0,8% com ambas as doses, de acordo com o Vacinômetro, criado e atualizado diariamente pela Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas (FVS-AM). As viagens e os cuidados dentro da UBS Fluvial As viagens duram em média entre 15 e 20 dias pelas calhas dos rios. A equipe consegue visitar todas as comunidades e ir em todas as casas. Agora, com a pandemia, a organização está diferente. A UBS leva os profissionais e, quando chegam às comunidades, são divididos em equipes, já que há locais em que a balsa, que é de grande porte, não consegue alcançar. Nesse momento, eles vão em lanchas ou rabetas em número reduzido. “Dentro da UBS também trabalhamos com todos os protocolos de segurança, por mais que já estejamos vacinados. Temos auxiliares de serviços gerais, cozinheiros, é uma UBS de primeiro mundo. São lotações masculinas e femininas, higienizadas de manhã e à tarde. Os colchões são laváveis, o carpete, tudo é higienizado”, explicam elas. A energia elétrica utilizada em casa para finalidades básicas, como manter uma água gelada ou um ambiente artificialmente iluminado e ventilado, resulta de recursos naturais. Hoje, sendo um dos tipos de energia mais usados, pode ser obtida por meio de usinas termelétricas, eólicas, termonucleares e hidrelétricas. Levando em conta a quantidade existente de rios e o grande volume de água, a principal fonte de energia elétrica do Brasil é a usina hidrelétrica. Adorea Rebello, professora do Departamento de Geografia da UFAM e doutora em Planejamento Ambiental, afirma que atualmente 64% da energia elétrica do país vem das hidrelétricas. “Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”, uma frase muito dita em aulas de Ciências e que explica o processo de transformação da energia das águas em energia elétrica: “A estrutura de uma hidrelétrica consiste em construir barragens através do processo de inundação. Precisam ser construídas em um relevo acidentado, ou seja, com desníveis. Assim, pode ter corredeiras e cachoeiras, o que gerará velocidade nas águas para levar energia para as turbinas”, afirma ela. Bacias hidrográficas e barragens na Região Amazônica As bacias hidrográficas amazônicas chamam a atenção pelo intenso volume de água que passa pela região e também pelas quedas topográficas significativas nos afluentes. Por esses motivos, só na Amazônia Legal há cerca de 158 barragens. Vale destacar que estas barragens estão concentradas no Arco do Desmatamento, uma faixa onde lavouras e pastagens tomaram o espaço da floresta. As maiores hidrelétricas da região são a de Tucuruí, no Rio Tocantins (PA); a de Balbina, no Rio Uatumã (AM); a de Samuel, no Rio Jamari (RO); a de Santo Antônio, no Rio Madeira (RO) e a de Jirau, também no Rio Madeira (RO). Além das existentes, também há pelo menos 351 novos projetos de hidrelétricas na bacia do Rio Amazonas apontadas como mais prejudiciais que a de Balbina, por exemplo. A produção de gases e os riscos à saúde No início, as hidrelétricas surgiram como uma fonte de energia limpa e de baixo custo. No entanto, um estudo de 2002 feito pela Coppe/UFRJ (Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa em Engenharia da Universidade Feral do Rio de Janeiro) já afirmavam que uma hidrelétrica pode produzir mais gases nocivos à atmosfera do que uma termelétrica, usina que utiliza a queima de combustíveis para gerar energia. A ausência de oxigênio e a grande quantidade de matéria orgânica do fundo do lago das hidrelétricas provocam grande produção de gases que prejudicam o meio ambiente. “As usinas hidrelétricas de qualquer forma poluem muito. Elas emitem muito gás carbônico (CO2) para atmosfera e onde elas inundam, se torna um ambiente com bastante madeira em decomposição, o que causa um odor insuportável e destrói a fauna e a flora. É uma poluição tanto visual, como olfativa”, informa a geógrafa Adorea. Há também a emissão de óxido nitroso (N2O), pelas superfícies das represas e metano (CH4), uma grande contribuição para o aquecimento global. Uma ameaça para as espécies Um grupo de pesquisadores da Universidade Federal de São João Del Rey (MG), analisou recentemente todas as notificações de cardumes mortos por implantação de usinas hidrelétricas nos últimos dez anos no Brasil. Ao todo, foram 128 mil quilos de peixes mortos encontrados em praticamente todas as bacias hidrográficas existentes no país. Em poucos segundos, os peixes são sugados por dutos e são levados para as turbinas das usinas. Em seguida, são arremessados para o outro lado das barragens, o que afeta seu organismo. Muitos peixes não morrem nesse momento, mas podem chegar a romper alguns órgãos. Barragens e povos próximos Segundo dados cedidos por Philip Fearnside, ecologista do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e ganhador do Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC) em 2007, tanto as barragens existentes, quanto as planejadas, resultam em consequências diretas na vida dos povos que ali habitam. Ele destaca os impactos das grandes hidrelétricas da região, construídas próximo a terras indígenas: a hidrelétrica de Tucuruí, que inundou parte da terra indígena dos Parakanã; a hidrelétrica de Balbina, que inundou as duas maiores comunidades dos Waimiri-Atroari; as hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, que não inundaram terras indígenas, mas provocaram uma diminuição grande na pesca em todo o rio Madeira e seus afluentes e a hidrelétrica de São Manoel, que resultou em implicações marcantes na Terra Indígena Kayabi, localizada a apenas 700 metros da barragem. Os impactos negativos sempre serão maiores que os positivos, porém há o desenvolvimento de atividades turísticas como alternativa de renda em alguns casos de reservatórios, pontua Adorea. “O maior risco é essa população ser atingida por um rompimento de uma barragem, pelo processo de inundação. O controle da não-aproximação é quase impossível porque quando a espacialidade local é reconfigurada, há a atração de pessoas. São pessoas que querem trabalhar com cultivo, plantação e turismo. Existe esse risco da força da pressão da água romper e levar tudo por água abaixo, entretanto, se você for até o lago da hidrelétrica de Balbina, que eu conheço, você vai ver pessoas desenvolvendo o seu sustento através do lazer, por exemplo. Os comunitários desenvolvem a pesca esportiva do tucunaré, passeios aquáticos, hospedagem, então existe esse lado que gera renda também”. É importante citar que a construção da Usina Hidrelétrica de Balbina, nos anos 80, surgiu para reduzir a dependência da cidade de Manaus de usinas que utilizam combustíveis fósseis. No entanto, a construção inundou uma área florestal que equivale a 2,4 mil quilômetros para produzir menos de 10% da demanda da capital. Autora: Nendra Sued Referências Hidrelétricas na Amazônia: Impactos ambientais e sociais na tomada de decisões sobre grandes obras. Vol. 1, 2 e 3. Philip Fearnside. Amazônia livre de grandes hidrelétricas? Em geral, os povos da Amazônia levam diariamente consigo todo aprendizado que tiveram a respeito da maior floresta tropical do planeta, e não poderia ser diferente. Difícil pensar que anos de convivência com as complexidades da natureza não seria determinante para nos definir como pessoa. No coração da também maior bacia hidrográfica do mundo, Rio Amazonas, os povos tradicionais conhecidos como ribeirinhos sintetizam suas conexões ancestrais com o meio ambiente através de todo seu modo de viver. Além de todas suas atividades necessárias para seu sustento estarem relacionadas ao que os cerca, o que mais chama atenção para quem vê de fora é o processo de formação de suas moradias. A construção Desiludidos após os ciclos da borracha, os imigrantes nordestinos que vieram desbravar as águas da Região Amazônica em busca de uma vida melhor através da extração do produto se alojaram às margens dos rios e assim contribuíram com seu repertório para o que conhecemos como residência ribeirinha. Expostos a todo esse novo contexto, o povo nordestino viu a necessidade de se tornar um com o ambiente, analisando as necessidades que sua moradia precisava atender para evitar incômodos. As casas sobre palafitas são as mais comuns, sendo que as fixações no solo para sustentação geralmente ficam de três a quatro metros abaixo do que seria o piso de acesso da residência. Essa opção foi influenciada pela variação anual do nível da água, evitando assim possíveis inundações. Nota-se também que boa parte da matéria-prima da residência ribeirinha se resume à madeira, raramente se encontra nesses cenários algum trabalho em alvenaria. Airton Henrique, egresso do curso de Engenharia Civil da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), aponta algumas informações importantes sobre o uso da madeira nas residências ribeirinhas. “É percebido com um olhar técnico a presença da aplicação de conhecimento empírico da população ribeirinha quanto às estruturas das residências [...] logo, percebe-se que a definição de qual madeira utilizar para a construção das casas passou por um processo experimental local. É notado também que o tipo de madeira usado se difere a depender da função na edificação. Por exemplo, a madeira para sustentação da casa não pode ter perda de resistência em contato com a água e deve possuir resistência às cargas verticais e à flambagem. Rosalina Ribeiro, 48, cujos pais residem na Costa do Canabuoca, no município de Manacapuru, diz que é muito difícil a vida na época da cheia, expressando a sua preocupação. “As casas são levantadas. O assoalho tem que subir, ou então, os ribeirinhos têm que se mudar. Nesse período, as plantações são perdidas, devido ao banzeiro que arrasta até árvores grandes. Perde-se o que se plantou: milho, banana, maracujá, macaxeira...Quando vem a seca, os moradores têm que plantar tudo de novo, e na lama mesmo para colher antes da nova subida dos rios.” Relatou que “uma vez seus pais tiveram que morar no motor, pois a cheia foi tão grande que nem fazendo maromba foi possível continuar morando na casa deles”. Sua irmã, Luzia Ribeiro, que mora em Janauacá, no lago do Jutaí, falou que sua casa por ser tomada todos os anos pelas águas do rio Solimões, decidiu construir uma casa-fluente, mas diz que é muito caro, além de ter que pedir autorização dos órgãos ambientais responsáveis É possível notar o quanto a floresta moldou todo o viver dessas pessoas, apresentando conhecimentos passados de geração em geração. Do uso da madeira ao uso do rio, a vivência ribeirinha sempre foi grande exemplo de conexão com a natureza, simplesmente por ser a principal base de toda sua cultura. Uma crise ainda em andamento O Acre está vivendo situação de calamidade pública válido por 60 dias em razão das constantes chuvas que vem causando inundações por todo estado. Mais de 380 ribeirinhos tiveram que abandonar suas tradicionais residências na região rural de Porto Acre, a 78 quilômetros da capital, Rio Branco. O fato das palafitas da população ribeirinha acreana não conseguirem mais prestar segurança a esse povo de lutas tão bravas é um sinal de que devemos prestar ainda mais atenção na situação caótica na qual essas pessoas podem chegar a ser submetidas, exigindo que exista a visibilidade necessária para a manutenção dessas vidas e, a partir desses cuidados, mantendo uma peça importante da ancestralidade amazônica em nossa cultura.
Em resumo, a relação da população ribeirinha para com a natureza e promovida por meio do etnoconhecimento de modo geral é de máximo respeito e deve ter sua tradicionalidade preservada. A Amazônia é muito mais que só um espaço físico qualquer, ela abriga seres humanos que a definem através de gestos que buscam acima de tudo a ligação com a natureza, por menores que sejam. Autor: Karlos Sena Referências: https://www.scielo.br/pdf/inter/v17n1/1518-7012-inter-17-01-0066.pdf https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/16/16134/tde-30032010-154115/publico/Jair_Oliveira__final_2010.pdf http://www.ecobrasil.eco.br/site_content/30-categoria-conceitos/1195-comunidades-tradicionais-ribeirinhos https://marcosocosta.wordpress.com/2013/08/17/as-casas-ribeirinhas-da-amazonia/#:~:text=Uma%20das%20mais%20interessantes%20constru%C3%A7%C3%B5es,casas%20nas%20margens%20dos%20Rios.&text=A%20varia%C3%A7%C3%A3o%20dos%20n%C3%ADveis%20dos,fica%20dif%C3%ADcil%20encontrar%20terra%20firme. https://g1.globo.com/ac/acre/noticia/2021/02/23/cheia-do-rio-atinge-producao-de-mais-de-380-ribeirinhos-e-porto-acre-declara-situacao-de-emergencia.ghtml Devido à pandemia e o abandono do Governo, a população do interior vem enfrentando dificuldades2/23/2021 Os ribeirinhos Ribeirinhos vivem à beira dos rios e, por estarem isolados e longe das cidades, não possuem acesso a serviços básicos como hospitais, energia elétrica e até mesmo água potável. A pandemia deixou esse problema ainda mais alarmante, impedindo-os de realizarem atividades que traziam sustento para a família. As comunidades estão preocupadas com o decorrer dos dias, pois o Governo do Amazonas parece ter esquecido dessas populações, já que muitos relatam terem sidos abandonados pelo mesmo. Porém, esse abandono não é de hoje, apenas está mais explícito. A atual situação do Estado No último sábado (20), a Fundação de Vigilância em Saúde (FVS-AM) divulgou dados do boletim epidemiológico, confirmando que o Amazonas chegou a um total de 10.409 óbitos, sendo 3.039 no interior. O boletim também mostrou que o estado conta com 1.664 de novos casos, totalizando 305.250 de infectados, há 163.876 de infectados apenas no interior. Segundo um estudo do ODS Atlas Amazonas, até o final de janeiro de 2021 havia 24 municípios que apresentavam uma tendência de aceleração de casos maior do que na capital. Já em relação aos óbitos do mês de janeiro, o estudo indica que um conjunto menor de 12 municípios apresentou um aumento na aceleração em relação à Manaus. Depois que o estado passou a enfrentar uma crise devido à falta de oxigênios nos hospitais, o Governo do Amazonas recebeu do Hospital Sírio-Libanês a doação de cinco usinas de oxigênio medicinal destinadas à Carauari, Eirunepé, Lábrea, Manacapuru e Tabatinga. O Amazonas já possui instaladas 26 novas usinas e mini usinas geradoras de oxigênio que auxiliarão o estado. Para auxiliar na falta de leitos no estado, foram implantados 875 leitos clínicos para o atendimento de Covid-19 nos 61 municípios. Outra solução encontrada foi transferir pacientes do interior do estado para a capital, procurando amenizar a situação dos leitos nos municípios, o que parece ter surtido efeito, já que a fila de espera por leitos diminuiu para 44%. Como vivem em meio a pandemia A pandemia deixou muitas famílias desamparadas devido à falta de apoio do governo. Muitos trabalhavam com o turismo por meio de flutuantes que organizavam atividades como nadar com os botos ou fazer trilhas, já outros trabalhavam no transporte de lanchas de um município ao outro. Com o isolamento social essas pessoas acabaram perdendo seus empregos, então a pesca e o cultivo se tornaram atividades ainda mais recorrentes, sendo a forma que encontraram para sobreviver. Em entrevista para o Ateliê Amazônico, a moradora do município de Careiro da Várzea, Clicia dos Santos Sales, 45, explica que desde o início da pandemia vem se protegendo com o uso de máscaras e álcool em gel, além de evitar sair de casa, indicando que sua rotina diária mudou bastante. “Nós usamos máscaras e álcool em gel. O governo (Estadual) está ajudando algumas famílias, aquelas bem necessitadas, com um cartão vale alimentação (valor de R$ 200) e, assim, vamos sobrevivendo com pouco. Existe um hospital próximo para acompanhar as pessoas que precisam de assistência médica. Com certeza a rotina mudou totalmente a minha vida. Para proteger uns aos outros, não podemos sair de casa” explicou. No dia 19 de janeiro, por meio das redes sociais, a Prefeitura do Careiro da Várzea emitiu uma nota relatando que no dia anterior, 18 de janeiro, foi feita uma solicitação de materiais e equipamentos para o tratamento de pacientes positivos de Covid-19. A prefeitura recebeu um dia após a demanda: sete reguladores de oxigênio com umidificadores, duas máscaras de VNI para ajudar na fisioterapia de ventilação não invasiva. A prefeitura também recebeu a doação de dois aparelhos de Bipap e dois cilindros de oxigênio feita pelo Dr. David Jordão, Delegado da Polícia Civil. Segundo a FVS, o município possui até o momento um total de 1.138 de vacinados, representando 48,5% da população prevista para ser imunizada. Unidade de Saúde Antônio Maia Barbosa com os equipamentos recebidos. (Fonte: Facebook) No entanto, alguns ribeirinhos de outras partes do estado não possuem a mesma realidade, muitos declararam estar abandonados pelo governo, o que é o caso da comunidade Bela Vista do Jaraqui. A comunidade é lar de 112 famílias e está a 55km da capital Manaus, localizada no Lago do Jaraqui, sendo delimitada ao Norte pelo rio cuieiras, ao oeste pelo Arquipélago de Anavilhanas, ao leste pela comunidade Araras e ao sul oferendo uma vista para o Rio Negro. Mais da metade das pessoas que lá vivem nunca fizeram um teste. Uma das moradoras diz estar decepcionada e que o governador poderia ter feito mais, afinal são vidas. Outro problema é o fato de o posto de saúde mais próximo estar a 25 minutos a pé e 10 minutos de lancha. Para atendimento da comunidade, a Fundação Amazonas Sustentável junto com a Embaixada da França doaram cinco "ambulanchas", 11 canoas e 2,5 mil litros de combustível que auxiliará no atendimento de 700 famílias espalhadas por 15 comunidades, inclusive a do Jaraqui. Apesar de tudo, a comunidade resiste através do cultivo e da pesca, usando remédios caseiros e muita fé. Clínica em Bela Vista do Jaraqui, perto de Manaus (Fonte: Avvenire.it) Como dito anteriormente, as comunidades ribeirinhas sempre foram esquecidas pelos governantes, e esse problema se tornou ainda mais claro durante a pandemia. Desde o início da pandemia, a população do interior vem reclamando da falta de apoio do governador; assim como a capital Manaus, os demais municípios também sofreram com leitos lotados, falta de recursos básicos e oxigênio. É preciso um bom planejamento para dar amparo a todos, quem sabe, assim, o estado consiga contornar todo esse problema e as comunidades possam voltar às suas rotinas e atividades normalmente.
Autor: João Vitor A aproximadamente 90 km de Manaus encontra-se o Lago do Jutaí, em Manaquiri, região localizada na margem direita do Rio Solimões, onde moram aproximadamente 150 famílias da comunidade do Divino Espírito Santo. Entre os moradores da comunidade, também reside, há dez anos, Luzia Ribeiro com seu marido, o cunhado e seus três filhos. A dona de casa conta que a principal atividade de subsistência da região é a pesca, porém também são realizadas outras atividades para o sustento de todos. Vila do Lago Jutaí – Foto: Luzia Ribeiro “O povo da minha comunidade é formado, em sua maioria, por pescadores. Vão para a pescaria e chegam bem no entardecer. Têm também plantações, rota para fazer farinha, colheita de frutas, criação de animais, como galinha e porco e daí tiram seu sustento. Na minha casa também criamos pato e temos polpa de cupuaçu e meu marido é pescador”, descreve Luzia sobre as diversas formas de subsistência presentes no dia a dia da população. Após a pesca, os três filhos de Luzia observam o tamanho do peixe – Foto: Luzia Ribeiro Luzia e seus três filhos - Foto: Luzia Ribeiro Como a alimentação é baseada no cultivo de plantas, na pesca e na criação de animais, a terra e, principalmente, o rio influenciam diretamente no modo de vida dos habitantes da localidade. Os períodos de seca e de cheia do rio definem quais ações devem ser estabelecidas para que suas necessidades básicas sejam atendidas. Tanto a cheia quanto a seca do rio são épocas que tornam a vida da população mais difícil e penosa. Canteiro de hortaliças em estrutura alta para preserva-los contra a enchente – Foto: Luzia Ribeiro “Na cheia alaga tudo e acaba com tudo. A gente tem que levantar as casas quando a enchente é grande e precisamos suspender o assoalho, que chamamos de maromba, para não pisarmos na água. Fazemos também isso para os animais. A vida fica muito difícil. Plantação de mandioca para fazer farinha antes da enchente – Foto: Luzia Ribeiro Estrutura onde as galinhas ficam abrigadas nos períodos de cheia do rio – Foto: Luzia Ribeiro Para Luzia, apesar de a cheia comprometer a criação dos animais e das plantações, é o período da seca o momento mais desgastante. “Quando seca também é muito difícil, porque seca tudo. No lago, morrem os peixes todinhos, fica uma calamidade. Muito difícil quando está seco. Agora nesse período está horrível. A gente fica sem poder se locomover, pois é muito longe para sair. A seca é pior que a cheia”, explica Luzia. Neste mês de dezembro ocorre a temporada de seca. Com isso, os recursos que possibilitam a obtenção de alimentos se reduzem. “Neste período agora das plantações, não tem nada porque está começando. A gente tem que esperar um tempo para que as plantações deem entre 4 a 6 meses, farinha, por exemplo, para a alimentação. Então, neste período, a gente procura onde está tendo peixe para pescar, vender e comprar o alimento na cidade” esclarece Luzia. Local onde os peixes são tratados – Foto: Luzia Ribeiro O acesso aos serviços básicos, como a educação, nas regiões onde moram as populações ribeirinhas compreende certas particularidades. O transporte utilizado para levar as crianças e os adolescentes para as escolas é por meio de lancha ou barco. No caso do professor de história Bruno Corrêa que leciona na Escola Municipal Francisco Diogo de Melo, localizada próxima ao limite da cidade de Novo Airão, um dos principais desafios postos para ele além da mobilidade é a questão do fornecimento de energia. “Os desafios ocorrem em várias frentes. O primeiro é a dificuldade da localização para os professores e também para os alunos. Metade dos alunos da escola necessita de transporte que é feito por meio de lancha escolar. A energia é racionada e funciona cerca 8 a 9 h por dia”. Foto: Bruno Corrêa Apesar de certas barreiras, a escola possui uma estrutura consolidada, como eletricidade, internet e fornecimento de merenda. Além disso, a população é muito ativa em relação à participação das atividades escolares juntamente com os alunos e a equipe escolar. O método de ensino utilizado na escola, de acordo com Bruno, é o desenvolvimento de uma educação que envolve os conteúdos curriculares na medida em que trabalha com o conhecimento local. “Nós seguimos em regra a proposta pedagógica do município. Mas discutimos conteúdos específicos da realidade local por atividades transversais interdisciplinares como Sarais/gincanas/ eventos externos organizados pela divisão distrital rural do município”. Foto: Bruno Côrrea Já quando ocorrem casos em que necessitam de atendimento médico, na Vila do Espirito Santo, Luzia conta quais são os procedimentos realizados: “A agente de saúde vai até a nossa casa e qualquer coisa ela marca os exames que precisam ser feitos na Unidade Básica de Saúde (UBS), localizada no município de Manaquiri. Lá a gente faz o acompanhamento das crianças”. Também fala sobre a assistência comunitária da região: “Um ajuda o outro, se alguém estiver precisando de ajuda, se estiver doente e não tem como ir até o hospital nós damos um jeito de levar até o hospital ou de chamar alguma ambulância. Tem uma ambulância que é voadeira que vem buscar o doente quando tem água (cheia). No período de agora (seca) a pessoa tem que ir ate o ramal que vem a ambulância de carro”. Lago do Jutaí– Foto: Luzia ribeiro Com todos os desafios postos pela variação do rio, que interfere e molda a rotina e o trabalho das populações que moram na beira das águas, como na produção de seu sustento e na sua locomoção, tornando a vivência, em certos aspectos, mais cansativa, Luzia afirma não pensar em se mudar para a cidade: “Eu prefiro aqui. Tem sacrifício, mas a gente tem um pouquinho mais de paz, é mais tranquilo. Na cidade para a gente criar um filho ele fica mais vulnerável. A gente que não tem posse fica longe dos filhos, pois, precisamos trabalhar e os filhos acabam ficando vulneráveis aos bandidos. Eu prefiro interior, já morei em Manaus e prefiro aqui com todo o sacrifício e com todas as dificuldades, mas aqui é mais tranquilo”, e complementa “Há a tranquilidade e a possiblidade de criar os filhos com outra visão. Eu vejo que na cidade a violência está muito grande. As crianças vão vendo isso como normal, a maioria das crianças da periferia vê um usuário de droga se drogando na frente da casa e vai crescendo achando que isso é normal e que pode fazer também. No interior isso já se tem mais incubado porque quando acontece os pais já procuram providencias para não ter isso. Para mim, a criação e a educação dos filhos no interior é mais segura para as crianças”. Pais de Luzia tomando café – Foto: Luzia Ribeiro Autora: Gabriela Brasil
(Foto: Autor desconhecido/ Reprodução: Internet) As comunidades localizadas às margens dos rios sofrem influencia direta da sua relação com a natureza e o conhecimento adquirido durante séculos. O pescado é com certeza um dos principais recursos naturais explorados nessas comunidades, tanto para subsistência quanto para comercialização. A pesca é um dos pilares principais na base da economia dos agricultores na Amazônia. O peixe representa tanto a base alimentar, como a econômica dessas pessoas. Sem energia elétrica, não há como estocar a produção e os pescadores precisam decidir se o peixe será trocado, vendido ou consumido ali mesmo pelos moradores.
O pescador ribeirinho tem na agricultura de várzea sua fonte de renda mais importante, dedicando-se à pesca de subsistência. A pescaria realizada é tipicamente artesanal e pode ser definida como a atividade exercida por produtores autônomos, que não empregam tecnologia de captura mecanizada e a produção é geralmente direcionada para o consumo local ou, em menor escala para exportação. Por conta dessas características, a pesca artesanal é uma atividade bastante praticada na região amazônica. Ainda que a pesca seja comumente uma atividade masculina, em todas as comunidades ribeirinhas, a atividade pesqueira é exercida com grande participação de mulheres, além de parte das crianças possibilitando a contínua transferência do conhecimento empírico dos adultos para os mais jovens da comunidade, como diz Igor Almeida, ex-morador da comunidade ribeirinha Nossa Senhora do Livramento, cresceu com a pesca como uma atividade de lazer. “A gente passava a maior parte do tempo tomando banho, e sempre que podíamos acompanhávamos os mais velhos na pesca, aprendíamos qual peixe pegar e como, era comum a presença das crianças.” Na época de seca, as jornadas de pesca têm maior duração em comparação às pescarias realizadas na época da enchente-cheia. A maior duração das pescarias na época da seca deve-se, provavelmente, à concentração dos cardumes que facilita a captura e torna a pesca mais produtiva. Na época da seca é quando se torna necessário o apoio da família na prática, visto que a seca coincide com o momento de maior prejuízo na agricultura, quando se torna necessário o preparo da terra para efetuar o plantio que deverá ser colhido antes da subida das águas dos rios. Essa escassez do cultivo transfere grande parte da mão-de-obra disponível para a pesca, provocando um aumento considerável no esforço da atividade. De acordo com a Amazon Fish, o número estimado de espécies biológicas existentes descritas gira em torno de 2.500, a riqueza de espécies está concentrada a oeste da bacia (lado da nascente) e, uma menor porção, está concentrada a leste (onde está a foz). Em levantamento realizado em 2020, de acordo com a Gerência de Apoio à Aquicultura e Pesca (GEAPE), do Instituto de Desenvolvimento Agropecuário e Florestal Sustentável do Estado do Amazonas (IDAM), e a Colônia dos Pescadores de Manaus, o Jaraqui é o peixe mais consumido no Amazonas. Depois dele vem uma lista diversa de espécies, entre elas curimatã, matrinxã, tucunaré, surubim e tambaqui. Essas espécies de pescado são a principal fonte de proteína animal para grande parte da população amazonense, que é a maior consumidora de peixe no Brasil e uma das maiores do mundo. Alimento básico para 500 mil habitantes da zona rural do Amazonas, o pescado tem consumo per capita por ano em comunidades ribeirinhas de até 180 quilos, segundo dados estimados do IDAM. Um estudo de 2013 dos pesquisadores do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (CENA), da Universidade de São Paulo (USP), em Piracicaba, em parceria com a Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e do seu Núcleo de Estudos e Pesquisas das Cidades na Amazônia Brasileira (NEPECAB) revela uma mudança dos hábitos alimentares da população ribeirinha da Amazônia, historicamente baseada no consumo de peixes locais e nos produtos derivados da mandioca, que vem sendo substituída por um cardápio com produtos mais industrializados, por decorrência da urbanização do meio rural, isto é, a economia de consumo e de excedente estão sendo substituídas pela economia de mercado, ocasionando, assim, mudanças socioculturais. Apesar dos desafios, a pesca ainda ocupa grande parte da vida dos ribeirinhos, e o rio é fonte de sustento para quem habita próximo dele, e dele tira o melhor que a natureza pode proporcionar. |
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